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Tiktok e economia: como Geração Z virou o motor da campanha de Javier Milei na Argentina

Nas eleições primárias do país, em 13 de agosto, que definiram os candidatos que disputarão a cadeira presidencial, o presidenciável Javier Milei, da A Liberdade Avança (LLA), venceu em 16 das 24 províncias argentinas e passou a ser apontado como o favorito

Na histórica crise argentina de 2001, o país teve cinco presidentes em onze dias. A convulsão política, econômica e social, que incluiu corridas bancárias, confisco de depósitos, saques a comércios e manifestações gigantescas ainda está na memória de muitos argentinos.

Agora, quase 22 anos depois, uma geração que era bebê, criança ou ainda não tinha nascido naquele convulsionado dezembro de 2001 pode contribuir para definir a eleição presidencial que será realizada no próximo dia 22 de outubro.

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Em caso de segundo turno, a votação ocorrerá em novembro.

Nas eleições primárias, em 13 de agosto, que definiram os candidatos que disputarão a cadeira presidencial, o presidenciável Javier Milei, da A Liberdade Avança (LLA), venceu em 16 das 24 províncias argentinas e passou a ser apontado como o favorito.

Milei, que se define como “anarcocapitalista” e promete fazer cortes acentuados em gastos sociais e subsídios, disputa a presidência argentina com o ministro da Economia, Sergio Massa, e com a oposicionista Patrícia Bullrich.

Na chamada Geração Z, muitos são eleitores de Milei e o conheceram há dois ou três anos através de programas de televisão e das redes sociais, especialmente o TikTok.

Em uma carreata recente realizada pelo presidenciável “libertário” (como ele também se define), na localidade de Bahia Blanca, na província de Buenos Aires, jovens com idades de entre cerca de 18 e 21 anos gritavam “Milei presidente”. E quando perguntados por um repórter local como o tinham conhecido, disseram que foi através do TikTok.

Foi o caso do estudante Tomas Bazan, que viu Milei no Youtube e no TikTok e passou a segui-lo até tornar-se seu eleitor. Com 21 anos de idade, estudante de Ciências Políticas na Universidade de Buenos Aires (UBA), ele falou à BBC News Brasil quando estava com um grupo de amigos, eleitores de Milei, em frente ao local onde foi realizado o segundo e último debate presidencial antes da eleição.


“Milei é nossa esperança porque os últimos dois governos nos destruíram completamente. Não podemos progredir e poupar neste terrível contexto inflacionário que estamos vivendo. A inflação não para de subir. Muitos jovens deixam o país por esta situação”, disse Bazan, que usava uma bandeira amarela, da LLA, pendurada no pescoço e um boné do Yankees, equipe da Major League Baseball (MLB), liga profissional de beisebol dos Estados Unidos.

Uma reportagem recente no The New York Times apontou que o mesmo boné foi usado por seguidores do ex-presidente Jair Bolsonaro, durante seu governo. O eleitor argentino contou que esse é um boné típico da campanha de Milei, mas que não o associa com políticos de outros países.

Os últimos governos a que Bazan se referiu foram o do ex-presidente Mauricio Macri, da coalizão Juntos pela Mudança, que governou a Argentina entre 2015 e 2019, e o do presidente Alberto Fernández, que representa o kirchnerismo e cujo mandato termina em 10 de dezembro deste ano.

Após aquela crise de 2001, que se arrastou também por 2002, a Argentina passou a ser governada pelo kirchnerismo (2003-2015) até a chegada do macrismo, e voltou a eleger o kirchnerismo há quatro anos.

Nesta eleição presidencial de 2023, dois fatores são apontados como preponderantes para a maioria dos eleitores: a economia e a segurança pública, segundo pesquisas de opinião.

Nos doze meses até agosto deste ano, a inflação chegou a 138,3%, de acordo com os últimos dados oficiais disponíveis. Somente em setembro deste ano a alta de preços atingiu 12,7%.

O quadro econômico, que inclui a disparada do dólar no mercado paralelo e o aumento nos índices de pobreza, parece ser um dos motivos do voto no “libertário”.

Ainda de acordo com dados oficiais, a pobreza atinge 46,8% dos eleitores com idades entre 15 e 29 anos (gerações Z e Y).

O estudante de Administração de Empresas da Universidade Católica Argentina (UCA), Alejandro Dub, de 21 anos, que trabalha no JP Morgan, contou à reportagem que votou em Macri na eleição presidencial anterior, quando o ex-presidente disputou a reeleição e perdeu para Fernández.

“Mas agora eu não votaria em Patricia Bullrich (a candidata do macrismo, movimento de oposição na Argentina) porque acho que ela não propõe mudanças e ficaria tudo como está”, disse Dub.

Para ele, Milei representaria, em sua visão, a mudança que espera para a Argentina. “Acho que ele propõe uma mudança de paradigma, com a redução do Estado e a eliminação de impostos e o foco também no déficit fiscal que temos hoje”, disse.


Ele diz que sua geração pouco ou nada conheceu de períodos de estabilidade econômica. “Nasci logo depois da crise de 2001 e peguei muitos períodos econômicos instáveis, com alta do dólar e inflação”, disse.

Na mesma linha, a estudante de economia Delfina Ezeiza, de 20 anos, disse à reportagem que, na sua visão, Milei “vem romper” com um sistema implementado pelos últimos governos e que não tem dado resultados para a população.

“Tenho 20 anos e desde que nasci escuto as mesmas coisas. Inflação, insegurança pública e a dificuldade que existe para se comprar uma casa ou um carro, por exemplo”, disse Ezeiza. Ela integra a ‘Juventude Libertário’, o braço jovem do Partido Libertário, que apoia Milei e afirma que tanto o governo Macri, no qual tinha tido esperanças, quanto o governo Fernández deixam herança de dívida econômica e social complicadas para o próximo presidente.

“A coalizão Juntos por el Cambio (Juntos pela Mudança), quando assumiu em 2015, tinha uma agenda muito liberal, mas acabou fazendo a mesma coisa – no sentido econômico e social (que o kirchnerismo)”, disse.

Nos atos de Milei e também como refletem as pesquisas de opinião, o eleitorado que mais se identifica com o presidenciável é o que se define como sendo do sexo masculino – os chamados ‘pibes’ ou ‘chicos’, como os argentinos se referem os que têm menos de 30 anos.

O eleitorado jovem é decisivo. De acordo com dados oficiais, os eleitores com idades entre 18 e 29 anos representam quase 25% do eleitorado nacional.

Andrei Roman, da empresa de pesquisas Atlas Intel, que tem feito pesquisas sobre a disputa argentina, disse à BBC News Brasil que o voto masculino e com até 24 anos é “monopolizado” por Milei. Nesta faixa etária, para ambos os sexos, 40% escolhem Milei, contra 21,2% que escolhem Massa, de acordo com o levantamento mais recente da Atlas, fechado em 13 de outubro.

Dados similares também aparecem em uma pesquisa encomendada pela revista britânica The Economist, mostrando que 74% dos entrevistados com idades entre 18 e 25 anos aprovam Milei, de acordo com o levantamento realizado pela Premise, com sede em San Francisco. O índice de mulheres, na mesma faixa etária, que vota em Milei cai para menos da metade no eleitorado feminino.

“Homem jovem, sem educação superior e sem boas perspectivas no mercado de trabalho, do interior. Esse é o público mais forte para Milei, de longe”, disse Roman.

A mais recente pesquisa da Atlas apontou que haveria segundo turno da eleição e que Massa seria mais votado que Milei, – 30,9% dizem que irão votar no domingo no ministro da Economia e 26,5% afirmam que escolherão Milei. Para ser eleito, o candidato precisa receber 45% dos votos válidos ou 40% e diferença de 10% para o segundo colocado.

Segundo economistas, na etapa recente, o estancamento da economia argentina começou há cerca de dez anos e o país foi, junto com o Peru, o que registrou, na região, a maior queda do seu Produto Interno Bruto (PIB), no primeiro ano da pandemia, em 2020 — 9,9% de contração.

O fator econômico é um dos principais pilares do voto em Milei, de acordo com analistas. A este fato se soma à “decepção” com os resultados dos últimos governos na vida das pessoas.

O estudante de direito Sebastián Galiana, de 25 anos, afirmou que votará em Milei porque entende que o presidenciável poderia reverter o que chamou de “período de decadência argentina”.

Galiana diz que concorda com suas ideias, como a de reduzir o tamanho do Estado e eliminar impostos. “A Argentina tem um carga tributária muito alta”, disse.


Em um dos vídeos de Milei, que viralizou, ele diz que o “Estado não é a solução, o Estado é o problema” e “fonte da decadência argentina”. No vídeo, o candidato mostra, num quadro, cada um dos ministérios que pretende subtrair, caso seja eleito presidente. Entre os que ele afirma que vai eliminar estão os de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, de Obras Públicas e das Mulheres, Gênero e Diversidade.

Galiana disse que acha a iniciativa de Milei positiva. “Acho bom que ele deixe apenas os ministérios importantes, como o de Segurança”, disse.

Como o eleitor Tomás Bazan, ele também usava um boné de campanha do candidato. Neste caso, com a inscrição “Make Argentina Great Again” (alusão à frase “Make America Great Again”, que foi propagada pelo ex-presidente Donald Trump).

Ele diz que seu voto em Milei está vinculado às questões econômicas e de segurança. E entende que os outros dois principais candidatos na disputa presidencial, a ex-ministra de Segurança Pública do governo do Macri, Patricia Bullrich, da coalizão Juntos pela Mudança, e o candidato do governo e ministro da Economia, Sergio Massa, da frente União pela Pátria, representam “a mesmice” e a “decadência”.

Para a eleitora Delfina Ezeiza, Milei mudaria, por exemplo, caso eleito, “o sistema atual de distribuição de planos de saúde para maior geração de empregos e o seguro desemprego no lugar dos planos”.

A analista política Mariel Fornoni, da consultoria e empresa de pesquisas Management and Fit, de Buenos Aires, disse à BBC News Brasil que a base de apoio de Milei nas urnas cresceu em cerca de seis milhões de votos entre as eleições legislativas de 2021 e as primárias, realizadas no dia 13 de agosto deste ano.

“Enquanto a base eleitoral de Milei cresceu, as bases da coalizão Juntos pela Mudança e da União pela Pátria encolheram”, disse Fornoni.

Para ela, o voto em Milei “atravessa” todas as gerações e setores econômicos e sociais. Mas este voto é mais evidente, diz a analista, entre os mais jovens.

“Este voto é resultado das redes sociais, do discurso de Milei contra a ‘casta política’ e em defesa da dolarização da economia. E este conceito ‘casta’ tocou eleitores que acham que se um político faz algo errado não vai preso e se uma pessoa precisa de transplante e conhece alguém no setor público conseguirá o acesso mais rápido ao órgão que precisa”, disse a analista.

Milei chegou a dizer que o país deveria implementar a venda de órgãos humanos e foi fortemente criticado, mas nos últimos tempos disse que a proposta não existia.

Fornoni observou que, apesar de o voto em Milei estar presente em todas as classes sociais, ele foi mais forte, nas primárias e, segundo dados oficiais, nos lugares onde a população tem menor poder aquisitivo.

“Este fenômeno do voto em Milei começou entre jovens das classes média e alta. Mas com suas participações em programas de televisão, ele passou a ser visto como um personagem que representa a ruptura (com o sistema atual). E à medida que as pessoas foram ficando cada vez mais cansadas, desesperadas, ele foi ganhando apoio das outras camadas sociais”, disse a analista.

Milei tem, porém, observou ela, ressalvas ou rejeição entre os que têm mais de 50 anos de idade e especialmente as mulheres.

Os que não votam em Milei discordam, por exemplo, dos seus planos para a economia e para as áreas de saúde e de educação e entendem que as privatizações serão um denominador em seu eventual governo, incluindo de setores básicos. São pessoas que o veem como pouco sólido e que, além disso, viveram também o período da ditadura militar argentina (1976-1983), além da histórica crise de 2001, e podem discordar do pensamento do candidato que, junto com sua candidata a vice, Victoria Villarruel, questionou a política de direitos humanos da Argentina.

Em um dos debates presidenciais, ele disse que o país não tem 30 mil desaparecidos políticos (pessoas sequestradas, naquele período, e ainda hoje com destino desconhecido).

“O cenário político atual é resultado da crise econômica que vivemos, mas também do que a pandemia deixou, com o agravamento da situação da economia. Mas para quem viveu os anos setenta, a ditadura, não é compatível que Milei represente a esperança”, disse a analista política Shila Vilker, professora da Universidade de Buenos Aires UBA) e especialista em opinião pública da Tres Punto Zero. Quando perguntados pela reportagem sobre o impacto da ditadura, os jovens eleitores responderam que “não é uma prioridade” no momento e o que Milei busca é “incluir as vítimas do terrorismo dos anos 1970” nas políticas de direitos humanos. “O terrorismo ocorreu dos dois lados (dos ditadores e guerrilheiros) e é isso que ele quer rever”, disse Sebastián Galiana.


Para o estudante de Ciências da Saúde Brian Viveros Amba, de 22 anos, que também integra a geração Z, Milei representa a “esperança” em termos econômicos e no que chamou de “moral”, em referência à conduta política.

“Como diz o nosso referente Javier Milei, nós esperamos que nossa sociedade seja guiada pelas ideias da liberdade. Além disso, Milei não é homofóbico, Milei não é racista. Milei é Milei. Ele compartilha ideias (com Bolsonaro e Trump), mas Milei é Milei. E quando fala em liberdade, fala no âmbito da economia e das decisões, mas com respeito e princípios”, disse à reportagem.

Analistas de diferentes tendências concordam que Milei canalizou, nas primárias, o que na Argentina chamam de “voto bronca” (decepção, cansaço, irritação) com a classe política e o cotidiano complicado pelos males econômicos, além de escândalos de corrupção que permearam recentemente políticos do país.

Na semana passada, um candidato a deputado da LLA comparou pessoas do mesmo sexo a aquelas que têm alguma deficiência física. Não foram vistas declarações públicas de Milei condenando as declarações.

Em relação às liberdades individuais, Milei já declarou, nesta campanha, que, se eleito, pretende anular a lei que autoriza o aborto na Argentina e foi aprovada em 2020.

“O que está em jogo nesta eleição é uma votação entre o sistema, que já temos e sabemos que é preciso melhorar, e o antissistema, onde os ‘chicos’ (adolescentes e jovens) estão decepcionados com o que vivem e acham que não têm nada a perder. Mas estamos muito preocupados”, disse um banqueiro argentino diante da reportagem e em referência a Milei.

Nesta semana, o candidato declarou que o peso é “um excremento” e sugeriu que os argentinos não renovassem suas aplicações na moeda nacional.

Na visão de analistas econômicos, a declaração, somada às últimas medidas do candidato governista, vista para atrair votos, como o fim do imposto de renda para até determinados salários, levaram à corrida contra o peso e a desvalorização ainda mais acelerada da moeda. Na terça-feira, o dólar chegou ao recorde histórico de mil pesos.


O ‘libertário’ não é, porém, o único que tem atraído o eleitorado jovem (geração Z, especialmente).

O estudante de direito Juan Ignacio, de 22 anos, da UBA, entende que Patricia Bullrich é a candidata ideal para este momento argentino.

“Ela sabe como combater a inflação. E Milei quer ainda um sistema para a educação que é inspirado no plano que (o ditador Augusto) Pinochet implementou no Chile. Um sistema que acabou piorando a desigualdade no ensino”, disse à reportagem.

Seu amigo Luka Martinini Jamniuk, de 21 anos, estudante de ciências políticas da Universidade Nacional San Martín (Unsam), acha que votar em Milei “seria um mergulho no escuro”.

“Ele tem propostas utópicas. Por exemplo, a dolarização. Como ele vai dolarizar uma economia onde faltam dólares (no Banco Central)?”

Massa
Também integrante do eleitorado da Geração Z, o universitário de jornalismo esportivo Ciro Durán, de 19 anos, que mora na cidade de La Plata, e estuda na TEA y Deportea, votou, nas primárias, no candidato do governo Sergio Massa.

E disse que repetirá o voto no dia 22. “Acho que Sergio é o mais coerente entre os três que têm mais chances (Massa, Bullrich e Milei). Ele é o mais tranquilo, o mais aberto ao diálogo. O ódio, como as declarações que temos visto de Milei e de Bullrich, não funcionam na política”, disse.

Nos debates presidenciais, Milei acusou Bullrich de ter sido “assassina”, nos seus tempos de guerrilheira nos anos setenta. E chamou Massa de “bestia” (burro).


Durán acredita que, caso eleito, Massa faria um governo próprio e com mais foco no combate à inflação do que o governo presidido por Alberto Fernández. Esta é a primeira vez que Durán votará para presidente.

Não é o caso do instrutor de CrossFit, Blás Raventos, de 37 anos, que já votou em eleições anteriores e desta vez optará por Milei.

Filho de pais perseguidos pela ditadura militar, ele disse que passou a se interessar por Milei pela forma como ele explica e detalha a economia, citando estudiosos que antes ele não conhecia.

“Eu não votei nas primárias. Mas depois do resultado dele nas urnas, decidi ver os vídeos dele e Milei me impressionou muito e decidi votar nele. Pela economia e pelo que propõe para outros setores do nosso país”.

Os argentinos começam a decidir o rumo da Argentina daqui a menos de quatro dias.

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